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Como a ressignificação de experiências passadas ajuda na cura emocional

  • Foto do escritor: Ana Luiza Faria
    Ana Luiza Faria
  • 29 de out. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 28 de nov. de 2024

Por Ana Luiza Faria

Como a ressignificação de experiências passadas ajuda na cura emocional

Ressignificar experiências passadas é um processo profundo que envolve olhar para as memórias e interpretações construídas ao longo do tempo e transformá-las em algo que promova autocompreensão e cura emocional. Esse processo se torna essencial quando eventos antigos influenciam diretamente nossas percepções, reações emocionais e a forma como nos relacionamos com o mundo ao redor. A ressignificação ajuda a desfazer os “nós” emocionais que carregamos e que, sem um trabalho consciente, podem gerar sofrimento contínuo. De acordo com estudos de William Stiles, psicólogo especializado em psicoterapia e autor de artigos sobre mudanças significativas em terapia, a transformação dos significados atribuídos a experiências passadas é um dos principais catalisadores para a melhoria emocional a longo prazo, pois altera a maneira como o indivíduo internaliza e responde ao próprio sofrimento.


O conceito de ressignificação envolve dar um novo sentido a eventos passados, reinterpretando a maneira como percebemos essas memórias e as associações emocionais que elas carregam. Quando vivemos situações de dor, abandono ou medo, é comum desenvolvermos uma narrativa pessoal associada a esses eventos, o que afeta nossa autoestima e percepção de nós mesmos e dos outros. Ao ressignificar, podemos reconstruir esses significados e compreender que uma experiência negativa não precisa definir nossa identidade, mas pode ser compreendida de forma que contribua para o crescimento pessoal e a resiliência. Conforme sugerido pelo neurocientista Richard Davidson, a habilidade de reinterpretar eventos traumáticos desempenha um papel fundamental na resiliência emocional, pois "molda as respostas emocionais e cognitivas, permitindo uma maior flexibilidade e adaptabilidade diante dos desafios."


Ao explorar o passado, o objetivo não é reviver a dor, mas compreendê-la para que possamos reconstruir a relação que temos com esses eventos. Nossas memórias são moldadas por emoções e interpretações específicas de cada momento em que ocorreram, e, ao revisitá-las, somos capazes de fazer uma releitura que permita enxergá-las sob uma nova luz. Pesquisas indicam que essa releitura tem um papel crucial na terapia, especialmente em abordagens que exploram as raízes emocionais e inconscientes de problemas atuais. Um estudo publicado no Journal of Traumatic Stress revela que a ressignificação reduz significativamente os sintomas de transtornos de estresse pós-traumático, ao permitir que os pacientes reconheçam o impacto dos eventos, mas também os integrem de forma mais saudável em suas histórias de vida. Ao identificar e transformar a narrativa associada a eventos difíceis, descobrimos que o significado original desses eventos muitas vezes não representa a verdade completa e, ao mudá-lo, geramos novos sentimentos e reações que podem ser libertadores.


Os processos envolvidos na ressignificação ocorrem em diferentes níveis psicológicos. No nível consciente, a pessoa desenvolve uma percepção mais ampla de si mesma e das próprias emoções, compreendendo que o sofrimento foi, muitas vezes, uma reação automática baseada em percepções limitadas do passado. Já no nível inconsciente, ocorre uma mudança mais profunda: o que antes era uma fonte de dor passa a ser integrado como parte de uma história que contribui para a construção de uma nova identidade. Outro aspecto importante são as “falsas crenças” que surgem a partir de experiências traumáticas. Muitas pessoas desenvolvem convicções negativas, como a de que não são merecedoras de afeto ou sucesso, por conta de memórias dolorosas. Ao ressignificar, essas crenças são questionadas e muitas vezes descontruídas, criando espaço para uma visão mais positiva e saudável de si mesmo. Daniel Siegel, neuropsiquiatra e pesquisador, discute em seus estudos sobre integração neural que revisitar e modificar o conteúdo emocional associado a memórias ajuda a formar uma base de autorreconhecimento mais saudável e confiante.


Imagine uma pessoa que, na infância, sofreu com a ausência emocional dos pais. A narrativa que essa pessoa pode ter criado é de que ela não é digna de atenção ou amor. Ao longo da vida, essa crença molda suas relações, criando um padrão de insegurança e medo de rejeição. No processo de ressignificação, ela começa a entender que essa ausência emocional dos pais não reflete um valor próprio, mas é resultado de circunstâncias externas, como as dificuldades emocionais dos próprios pais. Com essa nova perspectiva, a pessoa substitui a dor do abandono pela compreensão de que a falta de afeto foi uma limitação dos pais, e não uma deficiência pessoal. Outro exemplo envolve traumas de rejeição. Quando alguém é repetidamente rejeitado em momentos importantes da vida, pode internalizar a ideia de que “não é bom o suficiente”. Ao ressignificar essas experiências, o indivíduo reconhece que a rejeição pode ter sido motivada por fatores alheios, como as limitações ou dificuldades emocionais das pessoas que o rejeitaram. Ao entender essa dinâmica, a pessoa se liberta da dor e do peso do passado, abrindo espaço para novas formas de se relacionar.


Estudos na área da neurociência também apoiam a eficácia da ressignificação no tratamento emocional. Quando uma pessoa revisita uma memória com um novo olhar, o cérebro cria novas conexões neurais associadas a essa memória, enfraquecendo os padrões anteriores que a associavam exclusivamente à dor. Esse processo, conhecido como plasticidade neural, permite que nosso cérebro se adapte e transforme de acordo com novas experiências e compreensões. Richard Davidson explica que a habilidade de reconfigurar memórias dolorosas facilita a “ampliação do repertório emocional” e reduz a sensibilidade emocional a memórias traumáticas. Em um estudo publicado na Neuroimage, observou-se que a ressignificação ativa áreas do córtex pré-frontal e do hipocampo, regiões envolvidas na regulação emocional e na memória, ajudando o cérebro a reescrever a forma como uma memória é armazenada e acessada, diminuindo o impacto negativo que ela exerce nas emoções da pessoa.


A ressignificação de experiências passadas oferece mais do que alívio emocional; ela abre espaço para o crescimento e para a construção de uma nova identidade. Quando um evento doloroso perde o poder de definir o presente, ele se transforma em uma experiência que pode ser integrada de forma positiva. Esse crescimento permite que a pessoa se aproprie de sua história com um senso de gratidão e aprendizado, percebendo o próprio valor e desenvolvendo uma autoestima mais estável. Ao longo do tempo, essa mudança na percepção de si mesmo cria um ciclo positivo: a pessoa não apenas se liberta das amarras emocionais, mas também passa a lidar com as novas experiências de maneira mais saudável. Isso a prepara para responder aos desafios da vida de forma equilibrada e confiante, deixando de lado padrões automáticos de autoproteção e insegurança.


A ressignificação é uma ferramenta poderosa e transformadora para a cura emocional. Ao permitir que a pessoa reescreva a história que conta sobre si mesma e sobre o mundo ao seu redor, ela promove uma reconciliação com o próprio passado e abre caminho para um futuro mais pleno e satisfatório. O processo de ressignificação, portanto, não apenas ajuda na cura de feridas antigas, mas também contribui para a construção de uma identidade que reflete o melhor de cada um de nós.


Referências:

Stiles, W. B. (2002). Assimilation of Problematic Experiences. In G. G. Dimaggio & P. Brune (Eds.), Psychotherapy. Wiley.


Davidson, R. J. (2000). Affective Style, Psychopathology, and Resilience: Brain Mechanisms and Plasticity. American Psychologist, 55(11), 1196–1214.


Siegel, D. J. (2012). The Developing Mind: How Relationships and the Brain Interact to Shape Who We Are. Guilford Press.


Hayes, J. P., LaBar, K. S., & McCarthy, G. (2010). Emotional Regulation and Emotional Memory Enhanced Memory for Positive and Negative Emotional Events. Neuroimage, 53(3), 841–847.


Journal of Traumatic Stress (2009). Trauma-Focused Cognitive Behavioral Therapy for Childhood Trauma: Emotional Reprocessing of Painful Memories. Journal of Traumatic Stress, 22(5), 537–545.

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